segunda-feira, 24 de outubro de 2016

O “crash” da Bolsa de Valores de Nova York e a crise econômica de 1929

Uma crise econômica ocorre quando diversos fatores afetam a reprodução material de uma sociedade, impossibilitando-a de produzir o suficiente para o seu sustento. Antes da formação do capitalismo, as crises econômicas eram ocasionadas por fatores externos à economia: climáticos (secas, tempestades), biológicos (epidemias), sociais e políticos (guerras).  Ou a população decrescia, faltando mão de obra para a produção, ou as plantações eram devastadas, gerando mortes devido à fome.

Com os avanços na produção agrícola, na medicina e na ciência no mundo ocidental, muitos desses fatores deixaram de ter tanto peso na eclosão de uma crise econômica. Desde o século XVI, com as grandes navegações e o avanço do domínio europeu sobre o resto do mundo, formou-se uma economia-mundo, pois a produção de riquezas e a reprodução material de uma sociedade não dependia mais apenas do que ela produzia, mas também da produção de outras sociedades.

O surgimento do capitalismo industrial, com a Revolução Industrial inglesa ocorrida no século XVIII, modificou completamente a constituição da economia. Como vimos no oitavo ano, a introdução das máquinas no processo produtivo gerou uma nova divisão social do trabalho, organizada entre os donos dos meios de produção (burguesia, patrões, empresários) e os vendedores de mão-de-obra (trabalhadores), produzindo uma concepção de riqueza e de distribuição do que era socialmente produzido. A posse dos meios de produção e a usurpação do domínio do processo produtivo (matéria-prima, lugar de produção, técnica, produto final, preço, lucro) dos trabalhadores deu aos burgueses o poder de ficar com a maior parte dos rendimentos sobre o que era produzido. O “lucro”, ideia que surge com o capitalismo,  nada mais passou a ser do que o fruto da exploração da mão-de-obra do trabalhador, tudo porque era o patrão que detinha a máquina e os trabalhadores não podiam competir com ela.

Porém, com o espetacular aumento da capacidade produtiva das sociedades, acreditava-se que haveria trabalho e riqueza para todos. Acreditava-se no poder regulador do “mercado”, leis naturais que atuavam sobre as relações sociais de produção, satisfazendo a necessidade de todos. Estas ideias, chamadas de “liberalismo econômico”, foram introduzidas nos Estados Nacionais do século XIX, servindo de justificativa, num primeiro momento, para a exploração sem regras dos trabalhadores. Num segundo momento, algumas empresas ficaram mais poderosas que outras, eliminando a concorrência. Surgiu o capitalismo monopolista, não mais de pequenas empresas que competiam “saudavelmente” entre si de acordo com as “leis de mercado”, mas de grandes empresas que dominavam o Estado e possuíam um grande poder de investimento, criando novas tecnologias que aumentavam sua capacidade produtiva e melhorava a vida das sociedades (a eletricidade, a ferrovia, o aço, o telégrafo, a comida enlatada).

 Com o aumento espetacular da capacidade produtiva, o continente ficou pequeno para as grandes empresas destes países.   Por quê não houve um controle sobre a produção destes países ao ponto de existir espaço para todos? Porque o capitalismo é por sua natureza competitiva, portanto, se o rendimento da sua produção não for reinvestido para que sua produção cresça e você possa vender ainda mais, outra empresa o fará e te eliminará do mercado. Quando os interesses das grandes empresas passaram a se identificar com o Estado Nacional, a competição por mercados tomou o mundo, e transformou-se no imperialismo. O domínio do capitalismo europeu sobre todos os continentes, impondo sua cultura em nome de destruição de outras.

A Primeira Grande Guerra foi produto da competição internacional promovida pelo capitalismo monopolista através do imperialismo. Como consequência, a Europa, berço do capitalismo até então, terminou destruída, com um terço de seus homens em idade produtiva, mortos ou incapacitados para o trabalho. Os EUA, potência americana em ascensão, foi a grande beneficiária da Grande Guerra. Com o desenvolvimento espetacular de suas indústrias na segunda metade do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, saiu intacta do conflito mundial e como principal economia do globo terrestre. A reconstrução da Europa na década de 1920 ocorreu com muitos capitais estadunidenses. O dólar tornou-se a principal referência monetária das trocas internacionais.

O lugar de protagonista ocupado pelos EUA na economia global na década de 1920 e a saturação do capitalismo liberal (de crença na livre regulação do mercado) foram dois fatores que explicam a crise mundial de 1929 após o “crash” da Bolsa de Valores de Nova York ocorrido em setembro de 1929. Mas o que explica o “crash” da Bolsa de Nova York? Para o entendermos, precisamos compreender para que existe uma Bolsa de Valores e o significado do “capital financeiro”.

O “capital industrial” está relacionado a capacidade real de produção de uma empresa. Ou seja, depende apenas do que é sua estrutura produtiva e da sua capacidade de vender seus produtos e lucrar. Porém, na fase do “capitalismo monopolista”, as empresas, para crescer mais e continuarem competindo, dividiram-se em milhares de partes para serem vendidas e assim, conseguir mais dinheiro para investir mais. Estas partes, chamadas de “ações”, são lançadas na Bolsa de Valores, onde se compra e vende essas ações. Comprando “ações”, o investidor passa a ser um tipo de sócio minoritário da empresa. Quanto mais as empresas lucram, as ações dos acionistas também lucram, através da movimentação (compra e venda dessas ações). Nos primórdios do capital monopolista, o capital bancário (aquele cujo lucro está associado aos juros cobrados sobre ações financeiras como empréstimos, poupança, seguros, etc.), associou-se ao capital industrial, investindo na compra de ações das empresas. Com os altos lucros possíveis nessas ações financeiras, a compra e venda de ações disseminou-se entre partes significativas das ações.

O lucro do acionista, num primeiro momento, esteve associado ao lucro real de uma empresa, que aumentava sua capacidade de investimento e vendia mais e mais. Porém, com o tempo, a livre compra e venda de ações tornou-se uma espécie de jogo de apostas, no qual o preço das ações começou a se desligar da economia real, material, aquela intimamente associada aos lucros reais das empresas. Especulava-se os preços das ações, que subiam e desciam por causa de notícias falsas plantadas pelos “especuladores”, corretores de ações que viviam de comissões sobre a compra e venda das ações. O que não quer dizer que, na realidade, essas ações estavam desvinculadas do desempenho das empresas.

Entre 1923 e 1929, os chamados “loucos anos 1920”, a economia estadunidense andava de vento em popa, com níveis excelentes de crescimento e lucro e investimentos de toda a parte do mundo. Porém, em 1929, a superprodução agrícola e uma diminuição do consumo diminuiu este ritmo de crescimento. Com a queda da procura, as empresas tiveram que diminuir sua produção, e em consequência, seus lucros. Suas ações passaram a valer menos. A realidade alcançou a Bolsa de Valores de Nova York em setembro de 1929, com a queda conjunta do preço das ações, sem quaisquer compradores. Em 24 de outubro de 1929, conhecido como a “Terça-Feira Negra”, a bolsa sofreu seu “crash” (quebra). Com ações sem compradores, seus preços caíram vertiginosamente, perdendo quase que completamente seu valor. Muitas pessoas que haviam investido tudo o que tinham em ações ficaram pobres da noite para o dia. Milhares de empresas no mundo todo foram rapidamente à falência, uma vez que suas empresas não lucravam mais e perderam toda a capacidade de investimento. Para tentar diminuir os danos, os EUA trouxeram de volta ao seu país os capitais investidos ao redor do mundo, levando outros países à falência. Os preços de todos os produtos despencaram no mundo todo. Como exemplo de casa, o Brasil, cuja economia dependia quase exclusivamente dos preços internacionais do café, também ingressou numa crise econômica sem precedentes. Era o efeito dominó de economias que atuavam na crença absoluta das infalíveis leis do mercado. Um dos únicos países a sair da crise foi a União Soviética, isolado do mundo capitalista devido a sua revolução comunista, desenvolvia sua economia a partir da total intervenção estatal na economia. O liberalismo econômico ocasionou a maior crise econômica que o mundo até então tinha visto. As  soluções, embora fossem diferentes em sua essência política,  tiveram algo de muito comum:  a intervenção do Estado na economia.